domingo, 14 de junho de 2009

Magô e o outro mundo

Magô tem oito anos e sonha em conhecer outro mundo. Esse daqui ela já se cansou, antes mesmo de desbravar. É poluição, gente mal educada, violência, problemas, problemas e... problemas. No seu colégio ela deixa os professores loucos com as suas perguntas mirabolantes.

- Em outro mundo faz frio? Acha que eu devo levar casaco o ir de biquíni? E a comida? Já vi astronauta com uns tubinhos de comida prática, mas será que lá eu vou sentir fome? E sede? A água vai congelar assim que eu atravessar o portal desse mundo ou vai evaporar?

Ela não dava tempo para respostas e uma ia atropelando a outra, de tal modo que quando o professor pensava em responder a primeira ela já queria saber da última. Conseqüência disso: ninguém solucionava suas dúvidas e elas iam crescendo cada vez mais. Deram a ela a sugestão de anotá-las. Mas uma atrapalhava a outra e não saia nada no papel. Seus amigos não conseguiam brincar com ela, pois toda vez em que se aproximavam ela dizia que estava se preparando para a partida.

Um dia na saída da aula ela correu para encontrar com a sua mãe, do outro lado da rua, mas no meio do caminho ela desapareceu. Surgiu num lugar diferente, úmido, rugoso.

E ela meio tonta nem perguntou onde estava e já começou a comemorar o seu teletransporte. Viu alguma coisa no escuro.

-Aurt rourew treserhy ... Câmbio?

- Que língua é essa?

- Você fala minha língua? Que bom. Facilita um pouco. Então, vamos passear pelo mundo outro que agora e meu também. Vamos!

Puxou o ser pela mão a correu por um espaço apertadinho. Procurou um raiozinho de luz que fosse, mas não encontrou. Tudo escuro e frio. Frio. Pôde vivenciar todas as suas perguntas. – 

Onde estão as cores desse mundo? Qual mundo é? O da Lua, o do centro de Plutão? Já sei: o dos anéis de Saturno!

Tirando uma capa que lhe cobria o rosto, o ser se revelou um homem, igualzinho a Magô, com braços, pernas, cabeça e dois olhos que exprimiam uma dúvida sem fim.

- Você é humano?

- Lógico, minha pequena. Como você chegou aqui?

- Não sei, acho que o meu desejo se concretizou, sempre fui louca para mudar de plano. Hoje eu consegui.

O homem piscava com uma serenidade ímpar e, escutando tudo o que Magô dizia, sussurrou:

- Não foi dessa vez.

- Que você disse, indagou Magô.

- Nada não, meu bem.

Passearam por caminhos tortuosos. Volta e meia se encolhiam e ficavam com a impressão de terem os pés molhados. Ela viu uma espécie de rato e nem teve medo.

- Coisas do outro mundo não fazem mal a ninguém, disse como se expressasse a mais profunda certeza do mundo. Desse ou do outro.

Caminharam até um espaço onde um filete de luz ofuscava os olhos dos transeuntes extra-intra-mundanos. Subiram uma escada e quando a emoção ia ganhando força alguém girou uma tampa e gritou que o trabalho havia acabado. O homem subiu rapidamente as escadas e Magô então descobriu que se tratava de um bueiro. Saiu cabisbaixa com a descoberta e quando voltou para casa já era escuro. Na esquina do seu quarteirão viu uma luz que passava de um ponto a outro no céu e teve suas esperanças reavivadas. Mal sabia ela que era a lanterna do seu pai que quase morreu de preocupação e, apavorado com a situação, saiu a sua procura.