domingo, 31 de outubro de 2010
Les amours imaginaires
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Poemas breves
sábado, 25 de setembro de 2010
Por mais que eu tente são só palavras
Abri minha latinha de biscoitos importados (tia Cecília trouxe da Europa pra mim) e tirei de lá de dentro uns pedaços de pão. Esfarelei-os ainda mais e joguei sobre a toalha sobre a grama. Não demorou muito e eles vieram pulando, fazendo algazarra. Entre chilreios e bicadas, eu peguei e colori os mais pálidos, enchi de vida e significado aqueles passarinhos mais foscos. O banquete era espetacular, eu jogava as migalhas e gritava ê, ê! Uma ventania de asas e pura felicidade inundava aquele pequeno quadro, e, apagado como uma fotografia velha, o mundo me olhava.
Com uma rapidez mágica eu tampei a lata, limpei o colo, peguei um fio e, um a um, fui amarrando-os. Pelas patinhas eles iam se enfileirando na linha. Quando vi que estava assaz poético, eu parei. Eles, inertes a dor da prisão, saíram voando. Eu me levantei e sacudi a toalha. De longe a cena era bonita, de perto não passava de um final feliz.
Um dia na vida de um poeta.
sábado, 18 de setembro de 2010
Garoa e neblina
O palco escuro esconde uma menina sentada ao piano, prestes a começar sua apresentação. Ela está nervosa, treme um pouco, mas com uma mão segura a outra. Respira fundo e solta aos pouquinhos. A ansiedade não passa. Ela vê os pais dos seus colegas chegarem. Os seus pais já estão na primeira fila. A câmera já está posicionada nas mãos de sua mãe. A professora faz um sinal de que em três toques ela começará. Ela faz um leve alongamento e estica os longos dedos. Passa a mão pela franja, ajeita o cabelo atrás da orelha. Aperta o laço do vestido de organza azul. Posiciona-se melhor na banqueta. Faz um plano mental de sua execução e de seus próximos passos após a apresentação. Uma trilha sonora começa em sua cabeça. No último toque ela segue o seu fluxo interior. As escalas saem dela e não do instrumento. No final da terceira parte, uma nota se distorce, a outra sai errada. Ela não consegue segurar as águas novas que fervem em seus olhos. O teclado é cúmplice do choro. O final é aplaudido, mas para ela não faz sentido. Ela se levanta, faz reverência a platéia. Sai do palco antes que as palmas cessem. Corre pela coxia até um canto isolado. O perigo de ser só alegria passou. Agora ela já é uma moça em que melancolia garoa de quando em vez.
sábado, 11 de setembro de 2010
Ainda há auroras, apesar de tudo.
sábado, 4 de setembro de 2010
Ou não
sábado, 21 de agosto de 2010
Teresinha
sábado, 14 de agosto de 2010
Um encontro com Shakespeare
sábado, 7 de agosto de 2010
A vida não basta
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Não deu para filmar
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Diga a ela que eu sou você
domingo, 1 de agosto de 2010
Canção para um maranhense
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Silhuetas de um suburbano amor
Ele sorveu a sopa com modos rudes e fez uma pausa pra encher de novo a colher. No rádio, baixinho, Caetano pedia para ficar Odara. A mulher parou no meio da sala.
A arte em si
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Um souvenir que não sorri
Há pessoas que não possuem o dom da felicidade. Parecem estar perenemente sofrendo de uma dor que não passa, de um sofrimento da alma que inunda quem a eles dirige um olhar. Não fazem questão de externar o sentimento, entretanto ele brota como samambaia no muro ou água na fonte. Alguns caminham de lado, suportando o peso da dor como se fossem adereços que não podem dispensar.
A foto está na minha frente, em cima de um aparador que num canto guarda as outras épocas dessa casa. O rosto de um homem que vejo é desbotado pelo tempo, mas mesmo se a fotografia tivesse sido revelada na hora, ela ainda guardaria essa tristeza. Seu rosto é perfeito: o nariz, o queixo, os olhos que conversam (e te perguntam como podes ser tão feliz), a boca que esboça um sorriso. É lindo, mas, repito, é triste.
Não sei bem o motivo para a tristeza, mas suponho que não seja por causa do dia que prenunciava chuva ou um desenlace amoroso. Creio que não saberia viver de outra forma. Ele é hipnotizante, intenso. Minha tia disse que ele é primo do meu avô. Talvez seja, reconheço o nariz da família. Pego o porta retrato que repousa em meio a sorrisos da família grande sentada na escada, dos outros primos do meu avô, moços ainda, montados em cavalos, com aparência atlética e jovial, das tias que seguram seus bebês, do tio renegado (e até ele sorri). Meu parente distante, agora colado ao meu peito me faz sentir que a felicidade pode ser um peso. Eu, contagiado, choro.
Minha avó entrou na sala e me disse agora que ele morreu faz tempo. Ela ainda era moça, mas as histórias a respeito dele rondam a família desde então. “Contam que num dia nublado de novembro ele sentou-se debaixo de uma figueira e esperou que a tarde descesse. A noite veio e ele, deitado sobre a terra, foi encontrado morto. Curiosamente rindo, talvez pela primeira vez.” Durante um átimo de segundo lamentei por não tê-lo conhecido.
domingo, 11 de julho de 2010
Dicionários não dizem tudo
Umedeceu a ponta do dedo. Passeou o olhar pela página com uma calma tibetana. Como um pássaro que entra pela janela sem motivo, uma palavra perturbou a sua paz. Na sua face surgiu uma interrogação, um levantar de sobrancelha, um esgar de incompreensão. A leitura que até então fluía é interrompida. Ele estacou naquela palavra que não lhe dizia nada, mas, no momento, era a razão de sua vida. Tinha que decifrar aquela Esfinge que no deserto de letrinhas miúdas o ameaçava.
Tentou ir pelo contexto, pelas experiências passadas, pela numerologia, por dedução. Nada. Nada lhe dava coragem para seguir adiante. “Pode ser isso, ou não”. Repetia quase delirante. A palavra – imóvel – era como dois olhos de gato na escuridão. Perseguia-o, mas não se revelava. Arrependeu-se de não ter comprado um dicionário para lançar mão em situações parecidas. “Amanhã eu compro”. Passou uma marca texto fosforescente na palavra. Ela, marcada, não iria fugir.
O primeiro sinal da noite anterior foi ao acordar. Ficou parado, olhando para sua mulher por um quarto de hora. Saiu da cama felinamente. Sem fazer o mínimo ruído tomou banho, se trocou com dificuldade. Em pé, comeu pão sem manteiga e tomou café num pires, como um gato.
Na rua, ficou perdido a caminho do trabalho. Fazia anos que metodicamente seguia pelas mesmas ruas. Os meninos de rua que ele encontrava pelo caminho recebiam todos os dias moedinhas de um real que ele deixava no porta-luvas para esse fim. Naquele dia, ele passou reto. Furou o sinal vermelho. Chegou ofegante na redação. Subiu os andares pela escada, para evitar encontros. Não podia mais ignorar tais fatos. Algo muito estranho estava acontecendo. Ligou para um médico amigo. “Estou me esquecendo das palavras”, ele disse baixinho para que os colegas não o ouvissem. Posso ir aí agora? O médico assentiu. Ele saiu tropeçando nas pessoas, em total desalinho. A gravata frouxa lhe emprestava ares de clown.
Doutor, eu sei que isso parece loucura, mas é verdade. Só consegui falar com você porque fiquei ensaiando antes. Insistiu e tirou do bolso da camisa o rascunho da conversa. “Preencha essa ficha enquanto eu visto a minha luva”, disse o médico resmungando uma queixa inaudível. Doutor, eu não sei mais meu nome, vou conferir na carteira de identidade. Falou e sua voz parecia sair descompassada, ora feminina ora grave. O médico fez todos os procedimentos que estavam ao seu alcance, examinou-lhe o tórax, as costas, a boca. Não havia nada de anormal. “Isso deve ser estresse, sua vida anda muito agitada”. Saiu do consultório com um ansiolítico.
Na volta para casa não hesitou, deixou o carro no estacionamento do consultório e pegou um táxi. “Pra onde vamos?”, perguntou o motorista com um palito na boca e jeito de quem se faz amigo. Pra minha casa. O taxista mirou o retrovisor e pediu o endereço. Ele passou o celular e pediu que ele ligasse para sua casa, sua mulher iria lhe guiar. A mulher pagou a corrida, levou-o para dentro e na cama ele esperou pelo remédio. Adormeceu.
Quando acordou emitiu uns grunhidos incognoscíveis. Seus olhos vacilavam no foco. Não sabia onde estava e muito menos quem era aquela mulher jovem e bonita, mas com um quê de tristeza no olhar que lhe desnudava. Ele estava nu, embora vestido. Sentia vergonha, como se sua alma fosse transparente e todos pudessem ver seus pensamentos escorrendo feito mel pelo seu corpo. Talvez escorressem mesmo, porque sua mulher entendeu o que estava fazendo pulsar as fibras mais íntimas de seu coração. Sumiu de sua vista e quando voltou trazia um pesado livro. Lembrou-se de sua professora do jardim: “o mundo está todo dentro do dicionário”. A lembrança, em meio à bruma do passado o impeliu a abrir o coletivo de palavras. De súbito foi retirado do seu estado de coma. O dedo parado em cima da palavra trouxe de novo a paz. Seu léxico se atualizou na sua mente. Ele voltou à normalidade e com um abraço de anjo acolhedor disse no ouvido da sua amada a palavra que encerrava todas.
A mais bela verdade do mundo.
sábado, 10 de julho de 2010
A emoção não deixava soar claro
A interpretação é brilhante, muito real. BRAVO! Com uma cimitarra, ele encerra fatidicamente a história do seu personagem. Oh! A plateia grita! O corpo, no centro do palco, permanece iluminado enquanto as palmas esquentam aquela noite fria.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Espelho
sábado, 12 de junho de 2010
Fora de foco
Passeou o olhar pela sala até se deter no pequeno anjo de cristal. Estendeu a mão.
– Tão frágil e tão humano. Parece um homem, porque os homens são feitos até de cristal, mas são frágeis como anjos que temem descer do céu e vagar pela Terra. Situação parecida quando eu era criança e não queria abandonar meu lugar no esconde-esconde, mesmo sabendo que se esqueceriam de mim. Você brincava de esconde-esconde, Fernanda?
Ela molhou delicadamente o pincel na tinta vermelha. Limpou o excesso. Deu dois toques minuciosos na tela. Pintava uma paisagem morta.
– O que disse?
Ele não respondeu. Ficou olhando para tela que ela estava construindo.
– Como é bonito... Posso sentir?
Ela limpou o pincel na água que lentamente foi se tingindo de vermelho.
– Não está pronto ainda – num gesto atarantado perguntou. – Como assim sentir?
– Assim como eu sinto as pessoas sem tocá-las. Elas só têm que permitir, porque eu não consigo ser sensível com quem não deixa. – Baixou a cabeça como se quisesse chorar.
– Espera eu terminar e aí você sente... – Fez um meneio de cabeça.
Ela pintava e de soslaio ia acompanhando seus movimentos.
– Posso fotografar?
– Pode – respondeu para se ver livre das perguntas.
Ele se levantou e foi com as mãos na boca procurar a câmera. Esbarrou na mesa de centro e desviou o anjo da sua posição inicial. O telefone tocou e num recorte da conversa ela reclamou da doença de Augusto.
– Não suporto mais. A cada dia a doença do Augusto atinge graus mais elevados. Teve um dia em que ele repetiu sem parar Fernanda, Fernanda, Fernanda, Fernanda. Eu estou enlouquecendo junto dele.
Augusto voltou para sala e esbarrou novamente na mesa. Dessa vez o anjo tombou no chão e se partiu em mil caquinhos. Ela murmurou um “ah, não!”. Ele, como em um ritual, tirou o sapato e começou a pisar os cacos.
– O que é isso? Para já! Para, para!
– Eu mereço. É minha punição por ter feito isso.
O pé minando sangue foi tingindo o tapete. Ela conseguiu afastá-lo por um instante.
– Eu vou fazer você pintar paisagens vivas de novo! Eu não vou deixar você morrer. Eu vou te salvar. – ele disse convulso.
Ela sem entender o que despertou a crise tentou acalmá-lo. E
Ela limpou a tela e saiu desesperada.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Cleo, Clara.
- Tem! E rápido. Ah, cuidado com o terceiro degrau, a madeira está solta e você pode cair.
Se apoiando no corrimão carcomido, as mulheres foram subindo. Clara tirou seu sapato de salto estilete e foi descalça. A madeira rangia. No final da escadaria uma porta trancada.
- Clara, me dá sua presilha!
- Não vai estragar hein?
Cleo rodou, rodou na fechadura. Pouco depois a porta velha abria deixando a presença dos cupins no chão.
- Está tudo podre.
- Você não vai conseguir achar nada nesse escuro – Clara falou se escorando na parede com papel antigo que recendia a bolor.
- Se você me ajudar, fica mais fácil... – Cleo disse se agachando e olhando debaixo da cama.
Puxou uma caixa de madeira. Soprou. Tossiu. Tossiu.
Abriu e mal conteve seu susto ao encontrar um punhado de fotos velhas.
- Vamos embora?
- Vamos.
Conversaram por um tempo. Pareciam discutir.
Suas vozes foram ficando mais fracas. O som oco de um corpo caindo no chão acordou um cachorro na vizinhança que latiu renitente.
Na penumbra da janela de onde outrora se viam dois perfis, uma silhueta recortada na luz somiu no escuro.
A noite prosseguiu em silêncio.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Tom Zé
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Em definitivo
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Enciclopédias sempre pesam na bagagem
Agora era tarde para voltar atrás. Estava muito determinada e uma reviravolta nas suas determinações representaria uma frustração por toda vida. Com uma calma de quem está fazendo a coisa certa ela abre uma pasta de couro marrom e no fundo falso coloca uma faca de aço frio e iridescente. Ao encostar-se a uma moeda, faz o barulho do encontro entre iguais. Era sete da manhã e o calor já era insuportável. “País tropical com calor senegalês”, resmungou em meio de um bocejo. Tomou café da manhã em pé e enquanto isso seu gato – Trevisan – enrolava o rabo na sua perna. Ele era sua única companhia em tempos tão difíceis.
Ela ganha a rua e, mesmo atrasada para pegar a lotação, não corre. Prendera o cabelo porque já estava transpirando. O Sol com seus raios convidativos assediava as arvorezinhas das ruas que ela via pela janela. A manhã era muito agradável e só não seria melhor porque a temperatura era alta para o começo do dia. Quando foi descer, a barra do vestido vinho prendeu na porta e, sem paciência para tirar, deu um puxão que rasgou até a altura dos joelhos. “Melhor, hoje está muito quente. Nada me prende” - falou rindo.
No prédio cumprimentou o porteiro que falou sem parar:
- Bom dia!
- Bom dia!
- Calor hoje, não?
- É.
- O patrão já subiu e perguntou pela senhora.
- É mesmo?
- E ele tá com uma cara daquelas...
- Hoje ele vai ficar calmo... Tem carta pra mim?
- Não, tem não – enquanto falava revirava uma caixinha de correspondências – se chegar eu mando lá em cima.
- Está certo então.
- Bom trabalho.
Ao chamar o elevador vê uma moça que era estagiária, e lembra de como começou na empresa. “Santo Deus, eu era uma menina...” Vai sozinha no elevador até o quinto andar, no sexto um rapaz sem uniforme entra falando ao celular:
- Ela também foi assediada? Não acredito! Esse seu Varella dá de cima de todas as moças dessa repartição! Promete vida boa pra todas, né?... Só não dá bola pra mim! – deu uma longa gargalhada e parou no oitavo andar. No nono ela retoca a maquiagem e sente o cabo da faca ao guardar o estojo. Sai, enfim, no décimo terceiro.
- Bom dia – fala jogando a bolsa em cima da mesa.
A sala estava cheia, mas ninguém falou nada. Uma voz tímida e com ares de reprovação:
- Como pode voltar aqui de novo?
Ela começa a trabalhar, mas não consegue se concentrar. Passa por trás dela seu patrão, o doutor Varella. No seu ouvido ele fala para ela ir à sala dele.
Quando ela entra na sala, ele vira um porta retrato da sua mulher com seus filhos. Ela, parada na porta, pergunta o que houve.
Ele se levanta e começa a caminhar na sua direção.
- Eu só quero seu bem... Você acha que... Arrh...
A fala é entrecortada por um grito grave e com um esgar ele cai desfalecido. Com a mão no peito, em cima do coração, ele fixa o olhar nela. Ela passa por ele e desvira o retrato. Abaixa e fecha suas pálpebras.
No meio de um palavrório ouve-se o para-médico perguntar se ele fazia exames do coração com frequência e se era hipertenso.
As vozes vão ficando inaudíveis. O silêncio pinta de branco seu vestido rasgado.