sábado, 18 de setembro de 2010

Garoa e neblina

O palco escuro esconde uma menina sentada ao piano, prestes a começar sua apresentação. Ela está nervosa, treme um pouco, mas com uma mão segura a outra. Respira fundo e solta aos pouquinhos. A ansiedade não passa. Ela vê os pais dos seus colegas chegarem. Os seus pais já estão na primeira fila. A câmera já está posicionada nas mãos de sua mãe. A professora faz um sinal de que em três toques ela começará. Ela faz um leve alongamento e estica os longos dedos. Passa a mão pela franja, ajeita o cabelo atrás da orelha. Aperta o laço do vestido de organza azul. Posiciona-se melhor na banqueta. Faz um plano mental de sua execução e de seus próximos passos após a apresentação. Uma trilha sonora começa em sua cabeça. No último toque ela segue o seu fluxo interior. As escalas saem dela e não do instrumento. No final da terceira parte, uma nota se distorce, a outra sai errada. Ela não consegue segurar as águas novas que fervem em seus olhos. O teclado é cúmplice do choro. O final é aplaudido, mas para ela não faz sentido. Ela se levanta, faz reverência a platéia. Sai do palco antes que as palmas cessem. Corre pela coxia até um canto isolado. O perigo de ser só alegria passou. Agora ela já é uma moça em que melancolia garoa de quando em vez.

Um comentário:

  1. Às vezes me sinto como ela. Não adianta receber aplausos se eu sei que não está tudo 100%...
    Isso é bem chato, mas tem lá suas vantagens.

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