sexta-feira, 30 de julho de 2010

Silhuetas de um suburbano amor

Ele sorveu a sopa com modos rudes e fez uma pausa pra encher de novo a colher. No rádio, baixinho, Caetano pedia para ficar Odara. A mulher parou no meio da sala.

– Gostou da sopa, meu bem?

Ele continuou mecanicamente o que fazia. Moveu um ou dois músculos do rosto.

– Tá, tá bom, mas sopa a gente não pode conversar enquanto toma, senão esfria.

Ela arqueou as sobrancelhas e passeou vagamente o olhar pela sala pobre e pouco decorada. Desligou o rádio. Ligou a TV e deteve seu olhar na Ana Maria Braga que fazendo a reflexão do dia disse em tom de conselho para as amigas donas-de-casa: “não despreze seus sentimentos. Podem ser a única coisa que você pode possuir”. Ela achou a frase impactante. Era como se um raio dentro dela mostrasse que ela podia ser feliz.

– E agora, porque você está me olhando com essa cara? – Ele disse com impaciência.

– Estou observando que você está ficando mais bonito, mais homem, sabe? Passou a mão pelo cabelo como se fosse desembaraçá-lo. E sentou-se junto dele passando a mão pelo seu peito.

– Mas que história é essa? Tá parecendo uma rameira. Que isso? O cara trabalha a noite toda e quando chega em casa a mulher ainda fica fazendo tipo. Vai procurar uma panela. Essa é boa! – Falou empurrando a mulher que fez dos olhos dois riscos pretos. Apertou as pálpebras para segurar o choro. – Vai a feira, vai pro raio que a parta, mas some, deixa eu dormir em paz.

Ela saiu para comprar as coisas que faria para o almoço. No mesmo programa a apresentadora radiante ensinou a fazer risoto de gorgonzola e filé. Antes passou na padaria para garantir o lanche da tarde. O padeiro de modos galantes perguntou se ela tinha mudado a cor dos cabelos.

– Mudei sim, ficou bom? Meu marido nem reparou.

– Como pode, uma mulher bonita dessas! Depois não sabe porque perde para concorrência. – Vendo que tinha falado demais ficou pejado e, tentando consertar o erro, ofereceu um sonho. – está quentinho, eu mesmo que fiz.

Ela aceitou o sonho e o convite dele para tomar um sorvete em frente à padaria. O Sol não tinha segredos e inundava a ruazinha. A brisa batia leve, ao longe um redemoinho se formava. Os relógios da torre informavam as horas. Naquele dia não teve almoço.

Nem nos que se seguiram.

2 comentários:

  1. Adorei Joaozito! (= As palavras tem um grande afeto por você ao fazê-las parecer tão bonitas quando estão juntas!

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